Você é diferente de mim, da pessoa que já leu este jornal ou da que ainda vai ler; a sua visão de mundo, gostos, objetivos, expectativas e contribuições formam a biodiversidade subjetiva
Você se sente "bombardeado" todos os dias pelas inúmeras informações, imagens e imposições da sociedade? Acha até que, às vezes, o seu estilo de vida depende diretamente dessas ações de terceiros e que todos agem e pensam da mesma forma? Em caso afirmativo, isso não é uma ilusão, já que absorvemos as mensagens transmitidas 24h por dia através das propagandas, notícias, estímulos de consumo, entre outras centenas de informações. Como vivemos em um planeta em contínua transformação, fazemos parte desse processo captando as ideias e levando para o mundo a nossa bagagem cultural, consequentemente a biodiversidade subjetiva que nos faz tão diferentes do vizinho, do irmão, do amigo. Ela é o que faz de você um ser único, mas não
isolado ou egoísta. Ao contrário. A biodiversidade subjetiva será o assunto abordado pela terapeuta Regina Favre, de São Paulo, em um workshop realizado neste final de semana, em Araçatuba, sob o título "O campo corpante, corpar e co-corpar". Regina Favre, que faz parte da primeira geração no campo das terapias corporais no Brasil, é filósofa, educadora, criadora do Laboratório do Processo Formativo, uma clínica na capital, e pesquisadora. Em entrevista exclusiva para a Folha da Região , ela explica como podemos trabalhar essa biodiversidade
subjetiva no nosso dia a dia.
O que é biodiversidade subjetiva?
É uma filosofia, uma prática, uma educação, um modo de formar nossa vida e dos ambientes
em que vivemos. Somos parte das ecologias do nosso planeta, que está se fazendo o tempo
todo, no mundo físico, dos saberes, dos corpos, das vidas, dos jogos de força que regem nosso
planeta. Somos parte dessa evolução que traz em si mesma o impulso de prosseguir produzindo
o que ainda não existe. No mundo e nos corpos, sobretudo no humano, que tem essa capacidade
enorme de se autoproduzir. Essa qualidade em ciência biológica se chama autopoiese,ou seja, autoprodução.
De que forma essa biodiversidade pode ser trabalhada, melhorada?
Trabalhar pela biodiversidade subjetiva em si mesmo é um processo de educação. A natureza
se faz biodiversa por si mesma e a exploração humana devasta o planeta e reduz a diversidade,
animal e vegetal. Nós, humanos, pela nossa fragilidade, nos tornamos animais sociais. O fato é que hoje, mais do que nunca, o capitalismo global vive de vender produtos e serviços que são estilos de vida. Isso é espalhado planetariamente pelos meios de comunicação em rede que atinge todos os cantos. Acontece que os mesmos donos do capital, que são poucos grupos, tanto espalham o medo da morte, da pobreza, da loucura, da exclusão como, ao mesmo tempo, oferecem estilos de vida que aparentemente vão nos incluir. Só que não acalmam a nossa angústia, não é? Assim, nesse processo de nos fantasiarmos de incluídos, moldamos atitudes e estilos de vida muito limitados e padronizados. Isso reduz aquilo que chamamos de biodiversidade subjetiva.
Os sujeitos ficam muito pouco diversos, empobrecendo os nossos modos de vida, de relações,
nossa imaginação e nos fazendo produzir comportamentos sempre na mesma direção.
Isso pode nos tornar individualistas?
Ao contrário. Na medida em que nos sentimos e agimos como seres vivos, mais poderemos
maturar nossa condição em direção a caminharmos da dependência infantil, nesse caso
egoísta e exploradora, para nos tornarmos colaboradores, pois as ecologias funcionam em rede e
não os corpos individualmente. Porém, muitas filosofias e práticas podem funcionar como um
modo de se isolar no seu palácio de cristal, no mundo dos eleitos, temendo a contaminação. Formamos nossa vida em meio a ecologias sociais, cognitivas, de valores e poderes.
Como fazer para cultivar mais essa diferença no nosso quotidiano?
A pratica pela biodiversidade é uma filosofia, um estilo de vida encarnado e não só mental.
É preciso aprender, refletir, experimentar, estudar. O que ensino é útil, espalha-se com muita facilidade. As pessoas entendem com o corpo inteiro, mas há que se buscar aprender, configurar
uma visão da vida e uma prática correspondente. Nossa vida não é nossa. Biologicamente somos
canais na biosfera, canalizamos a vida, nos formamos com ela, só que infinitamente mais
complexos como nos mostra os milhares de imagens e documentários sobre a evolução. Esse corpo, o nosso, é da natureza, nasce, cresce, matura, envelhece e morre. Também é tão complexo que produz pensamento, ações individualizadas e pode formar a si mesmo de maneira singular, desde que aprenda, e isso não é simples. As regras de como o vivido se molda em comportamento e se estabiliza como corpo são ensinados no pensamento e na prática da Biodiversidade Subjetiva.
Atualmente as pessoas valorizam sua saúde mental?
As pessoas sofrem por não conseguirem lidar com a vida, muitas vezes, mas a educação que é ensinada nas práticas mais correntes é excessivamente mental, competitiva, performática. Nosso mundo capitalístico é assim. Cabe a nós nos educarmos para não nos limitarmos a esses
valores, mas buscar a potência da vida, no sentido mais amplo da vida comum, que nos permite
saber-se e, sobretudo, comportar- se como parte e não como entidade separada. A verdadeira
saúde está nisso.
"Somos parte das ecologias do nosso planeta, dos saberes, dos corpos, das vidas, dos jogos de força que regem a Terra”Texto extraido do Jornal Folha da Região de Araçatuba
20 de março de 2010